quarta-feira, 26 de junho de 2013

Elogio à Inocência



Tadeu Alencar

Elogio à Inocência

Artigo " Elogio à Incência ", escrito por Tadeu Alencar, secretário da Casa Civil de Pernambuco.

Leia este ode a Amizade.

Em tempos onde a política é quase sempre mal vista pelos olhos da população, um texto escrito pelo secretário da Casa Civil Tadeu Alencar, chamou a atenção e nos foi enviado como sugestão pela leitora Clara Silva Antunes.

No texto que  Vocês poderão ler abaixo, Tadeu Alencar, relembra sua infância e faz um ode a Amizade Pura e Simples, que apenas as crianças conseguem possuir.
" Caríssimo Glauco, não sei exatamente em que nos conhecemos."

 Talvez em 1973.

Você era o menino bonito da turma.
 Pele clara, olhos fugazmente esverdeados, traços afilados, inteligentes, fleugmático ( que controla as emoções, frio ), conhecido.

Tanto assim era que fui seduzido por seu charme e ficamos Amigos.

Minha infância está marcada pelo seu quarto, pelos seus brinquedos.

Ontem ao falar-lhe, senti o desfile de 30 anos de fantasma.

 
Quanta importância aquelas batalhas de bonecos, os soldados americanos, garbosos em seus uniformes e cavalos brancos.

Lembro dos primeiros livros - " Éramos muito menos e muito mais que seis " - que nos abriram o fantástico mundo da literatura.

Lembro do  seu " Kichute ", do seu andar diferente, nas romarias, na Av. Dr. Floro, dos óculos escuros de aviador, que até hoje protegem meus olhos.

Nessa época eu nem imaginava a importância de Floro na história de Juazeiro. 

Tampouco poderia avaliar que Juazeiro era um lugar tão marcadamente especial. 

Por que não tínhamos aulas sobre milagres, beatos, cangaceiros, santos, revoluções, fanáticos e levitas?

Possa lembrar da coroação da virgem em que a escola se postava em adoração e em que, ingênuo, apanhava as pétalas de rosa do chão para jogar novamente sobre a imagem de “Maria”, quando alguém me repreendeu:-
– Não se joga à Virgem pétalas apanhadas do chão!

 Foi aí que vi que o mundo era diferente. 

 Nada de ser espontâneo, simples, direto. 

 Mas você era diferente:-
- A sua sofisticação era atraente, sedutora. 

 Lembro de quando fomos ficando adolescentes:-
A acne, os pelos, a música. 

 Os melhores dias de férias eram os em sua casa. 

A casa nova e pelas estantes o Capitão América (azul), Thor (amarelo), Namor (verde), Hulk (verde), homem-aranha (azul e vermelho ). 

 Hoje estão misturados com o cinza desfocado da distância.

 As cartas, as fotos, as namoradas, as pessoas, os amigos. 

 Ah, os Amigos! 

Viagem ao centro da terra foi a minha entronização no mundo dos adultos. 

 Rick Wakeman, o primeiro profeta. 

 Kraftwerk já nos falava de máquinas e de computadores. 

 Tão longe, tão perto.

Depois disso, acho que nos vimos menos do que merecíamos.

 Senti sua falta no meu casamento.

Você foi o único que enxergou a minha mais entranhada vocação.

Cativa-me a vida asceta, o silêncio das clausuras, a formação humanista dos seminários, o recolhimento dos conventos, a pregação de um Deus que se apiede de nossos aviltantes pecados.

Outra parte são as ruas, as tabernas, os bordéis, a poesia, o Carnaval…
 
Tudo em mim, num pobre corpo, no mais exauriente dos duelos, na mais intestina das antíteses. 

O Asceta e o toureiro. 

Meu bom e velho amigo, como é bom ouvir a sua voz, participar de sua inquietude, da sua mansidão, do seu comportado desespero.

A vida – às vezes – é insípida como comida de hospital, como se nos alimentássemos de um bife estranho, no curso de uma moléstia incurável. 

Mas existe a arte. 

E ela nos salvará.

A Arte e os Amigos lançarão raios de sol no estômago da alma e nos sentiremos aquecidos, quase saciados, com os olhos brilhantes e os lábios entreabertos diante da beleza das estrelas e de um sol que caminha sobre a terra, só para os que, como nós, vivemos escavando o solo que outros julgaram esgotado.

Saiba que em Pernambuco, mais precisamente no Recife, nos Engenhos de Santana, onde ainda há pássaros, sapos e corujas, haverá sempre um conhaque forte e um velho tinto à sua espera.

Se tiver vontade de matar alguém, venha matar a sede que cometeremos o homicídio em massa de todas as tristezas.

 Tadeu Alencar, cidadão pernambucano

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