Sozinho.
No velho "Sítio da Quitéria", que herdara dos avós, Anselmo Pires, apesar da movimentação dos empregados, sentia-se sozinho.
Desde que a morte lhe arrebatara Antônia, a
companheira de muitos anos, estava espiritualmente só na casa grande.
A princípio adoecera.
Acamado, pedia que lhe dessem veneno.
Queria desertar da existência, abandonar o mundo...
A princípio adoecera.
Acamado, pedia que lhe dessem veneno.
Queria desertar da existência, abandonar o mundo...
Amigos, porem, chegaram generosos e providenciais.
E o velho Pires foi conduzido a um templo espírita, à procura de socorro moral.
Embora desarvorado, começou a ouvir as interpretações do Evangelho, em novo sentido, e começou a melhorar.
As palavras de fé e amor que escutava, atento, penetravam-no como bálsamo santo.
Os livros espíritas, desempenhando o papel de conselheiros silenciosos, imprimiram-lhe novo rumo às meditações.
A prece, no ambiente dos companheiros, parecia-lhe agora alimento insubstituível.
E, certa
noite, ao pé dos irmãos de fé, sobreviera a grande surpresa.
Desabrochou-lhe de súbita a clarividência.
Viu Antônia, rediviva, ao seu lado...
Chorando, ouvia-a pronunciar as antigas frases de carinho e confiança, a pedir-lhe mais ampla renovação.
Desde essa hora, a existência de Pires mudara completamente.
Estava sozinhos mas desfrutando alegria misteriosa.
Não acreditava apenas.
Sabia, tinha certeza.
Reencontraria a esposa abnegada e inesquecível num mundo melhor.
E, por isso, já não era somente o arrendatário das terras que possuía.
Fizera-se, de todos os meeiros e assalariados, o amigo e o benfeitor.
Reformara os próprios hábitos.
Dispunha de horário para visitar os doentes e tinha tempo para conversar com os meninos esfarrapados da vizinhança, fosse para solucionar-lhes as necessidades ou para guiá-los no aproveitamento da escola.
Desabrochou-lhe de súbita a clarividência.
Viu Antônia, rediviva, ao seu lado...
Chorando, ouvia-a pronunciar as antigas frases de carinho e confiança, a pedir-lhe mais ampla renovação.
Desde essa hora, a existência de Pires mudara completamente.
Estava sozinhos mas desfrutando alegria misteriosa.
Não acreditava apenas.
Sabia, tinha certeza.
Reencontraria a esposa abnegada e inesquecível num mundo melhor.
E, por isso, já não era somente o arrendatário das terras que possuía.
Fizera-se, de todos os meeiros e assalariados, o amigo e o benfeitor.
Reformara os próprios hábitos.
Dispunha de horário para visitar os doentes e tinha tempo para conversar com os meninos esfarrapados da vizinhança, fosse para solucionar-lhes as necessidades ou para guiá-los no aproveitamento da escola.
Com a vida
transformada, surgira, no entanto, um problema.
Anselmo fora caçador inveterado e possuía vasta coleção de espingardas e lâminas, revólveres e chuços, tudo em madeira primorosamente trabalhada.
Verdadeira sala de armas.
Amigos, de passagem, visitavam-lhe a coleção, como quem surpreendia valioso setor de museu.
O acervo de preciosidades era avaliado em seiscentos mil cruzeiros, incluindo duas telas notáveis pela, precisão dos traços e das cores, em que se viam grandes cães estraçalhando coelhos inermes.
Anselmo envergonhava-se, agora, de reter semelhante material.
Ele que ensinava, atualmente, princípios de compaixão e caridade, não sentia satisfação em contemplar aquilo.
Com o desapontamento de quem pedia perdão à Natureza, recordava o tempo em que se punha a perseguir codornizes e pacas e a experimentar o gatilho em pombos e nhambus assustados.
Nesse dia, parara por muito tempo no paiol velho, a que mandara recolher, descontente consigo próprio, dois grandes alambiques em que fazia a destilação de aguardente.
Anselmo fora caçador inveterado e possuía vasta coleção de espingardas e lâminas, revólveres e chuços, tudo em madeira primorosamente trabalhada.
Verdadeira sala de armas.
Amigos, de passagem, visitavam-lhe a coleção, como quem surpreendia valioso setor de museu.
O acervo de preciosidades era avaliado em seiscentos mil cruzeiros, incluindo duas telas notáveis pela, precisão dos traços e das cores, em que se viam grandes cães estraçalhando coelhos inermes.
Anselmo envergonhava-se, agora, de reter semelhante material.
Ele que ensinava, atualmente, princípios de compaixão e caridade, não sentia satisfação em contemplar aquilo.
Com o desapontamento de quem pedia perdão à Natureza, recordava o tempo em que se punha a perseguir codornizes e pacas e a experimentar o gatilho em pombos e nhambus assustados.
Nesse dia, parara por muito tempo no paiol velho, a que mandara recolher, descontente consigo próprio, dois grandes alambiques em que fazia a destilação de aguardente.
Ora, ora!
Ele, espírita, como incentivar o alcoolismo?
Alambiques, no engenho, agora, não tinham razão de ser.
Desparafusou as máquinas e colocou-as no galpão de bugigangas.
Em seguida, num ato de bravura moral para consigo mesmo, transferiu para o antigo paiol todas as armas de que se ufanara tanto tempo!
Espingardas de suas costumeiras excursões à região do Araguaia, armas que haviam pertencido ao Conde dEu, armas que haviam sido usadas pelo bisavô, em terras do Paraguai, armas que o sogro lhe deixara em recordação de afanosas caçadas ao javali em Mato Grosso...
Juntou-as aos dois grandes painéis que lembravam pobres coelhos expondo vísceras sangrentas e comunicou à governanta que a sala de armas teria outro destino...
A seguir, Anselmo pensou, pensou...
Como desvencilhar-se de semelhantes apetrechos?
Não mais fabricaria aguardente, não mais caçaria animais indefesos...
Entretanto, o material representava significativa fortuna.
Vendido, resultaria em patrimônio importante para qualquer instituição de beneficência ou conseguiria ajudar a independência econômica de qualquer dos abnegados companheiros de serviço que o cercavam.
Mas seria justo – refletiu – entregar aos outros o que se fizera prejudicial a ele mesmo?
Dois dias passaram, sem que a solução lhe viesse à pergunta íntima.
Orou, pedindo a inspiração do Alto; contudo, mesmo assim, a idéia-chave não lhe surgiu à cabeça.
Em razão disso, intrigado, resolveu ir à cidade próxima, onde consultaria um benfeitor espiritual, através de um médium amigo.
Expor-lhe-ia o caso.
No entanto, o instrumento a que recorreria estava ausente.
Pires visitou esse e aquele amigo.
Trouxe a questão à baila.
Mas nenhum deles, após ouvi-la, emitiu opinião em caráter definitivo.
Tudo incerto.
É muito dinheiro, quase um milhão...
A resposta vinha reticencioso, de quase todos.
Pires, desalentado, tomou a charrete para a volta e outro assunto não lhe vinha ao pensamento que não fosse o montão de coisas indesejáveis a esperar-lhe a decisão.
Quase ao
chegar a casa, porém, não somente avistou o bambual novo a dançar ao vento,
como grande parada de bailarinos, mas também o Zé Guindo, antigo servidor da
fazenda, montando o alazão de serviço, em plena disparada ao encontro dele
mesmo.
– Que teria acontecido?
Mas o inquieto sitiante não teve muito tempo na indagação, porque o Zé, acercando-se do veículo, disse logo:-
– “Seu” Anselmo, venha depressa!
Depressa!
– Que há, homem de Deus?
– Incêndio no paiol!
As crianças começaram a brincar perto e o fogo está lavrando...
– Que teria acontecido?
Mas o inquieto sitiante não teve muito tempo na indagação, porque o Zé, acercando-se do veículo, disse logo:-
– “Seu” Anselmo, venha depressa!
Depressa!
– Que há, homem de Deus?
– Incêndio no paiol!
As crianças começaram a brincar perto e o fogo está lavrando...
– Que paiol?
– O paiol onde o senhor guardou os alambiques...
Foi então que Anselmo, como se alijasse pesada carga, iluminou o semblante de alegria que, a entremostrar-se num sorriso, estourou numa risada franca.
– Que há, patrão? – gritou o moço, aflito.
Anselmo, porém, respondeu alegremente:
– Graças a Deus, Graças a Deus!
Pires encontrara a solução ao problema que tanto o acabrunhava, mas o empregado guardava a convicção de que o velho patrão estava caduco...
– O paiol onde o senhor guardou os alambiques...
Foi então que Anselmo, como se alijasse pesada carga, iluminou o semblante de alegria que, a entremostrar-se num sorriso, estourou numa risada franca.
– Que há, patrão? – gritou o moço, aflito.
Anselmo, porém, respondeu alegremente:
– Graças a Deus, Graças a Deus!
Pires encontrara a solução ao problema que tanto o acabrunhava, mas o empregado guardava a convicção de que o velho patrão estava caduco...
Livro:- Almas em Desfile
Hilário Silva
Francisco Cândido Xavier
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