Mea-culpa
As imagens veiculadas na mídia, do menino africano de dois anos de
idade que estava vivendo sozinho nas ruas da Nigéria, sobrevivendo com restos
de comida, abandonado pelos próprios pais que o acusavam de bruxaria, não me
saem da cabeça.
A humanidade está doente!
Sei que tudo é certo, mas custo a
crer que esses atos, de tamanha maldade, sejam apenas reflexos do carma acumulado
pela criança, que ela esteja apenas colhendo o que, outrora, plantou!
Sinto que
existe algum elemento a mais agindo como fonte potencializadora de tanta dor.
E o desalento não tem limites, nem fronteiras.
O mundo todo parece
envolto de uma névoa de poeira alucinógena, que vem cegando os últimos que
enxergavam, que vem calando os últimos que carregavam palavras de generosidade,
que vem adormecendo os últimos que resistiam acordados.
As ruas da cidade ecoam
angústias, medos e clamores desesperados.
A corrupção se faz presente em todas
as esferas dos poderes e repartições político-administrativas.
A certeza da impunidade
fortalece o braço do malfeitor.
Vidas inocentes sendo ceifadas, todos os dias,
em vão.
Tomado pela revolta perguntei:-
- De quem é a culpa por tanto sofrimento?
- A culpa é Sua! - lá de longe, surge a voz do mestre espiritual.
Pegou-me completamente de surpresa.
Fiquei contrariado!
Ele, sempre
justo, sábio, sereno e complacente, desta vez não aliviou minha
responsabilidade, não poupou palavras.
E continuou:-
- É fácil perceber o quanto bem eu faço, o quanto contagio as pessoas e
envolvo o ambiente de luz e boas energias naqueles dias em que acordo bem,
animado, sereno, calmo e cheio de amor pra dar.
Contudo, em geral, não somos
capazes de perceber o quanto emporcalhamos o mundo quando estamos de mau humor
e irritados, quando falamos ou pensamos mal de alguém, o quanto tornamos
densa a energia e, quanto combustível do mal lançamos aos ares.
Não temos noção
do quanto é nocivo para o cosmos os nossos atos de maldade, egoísmo, inveja e
raiva.
Encontrei-me, mais uma vez, decepcionado!
Descobri que também sou culpado
por todas as desgraças que acometem o mundo.
Eu pensava estar à margem desses
fatos, mas, na verdade, estou no centro, sou coautor de toda dor.
A mente humana é tão conveniente e seletiva.
Minhas conquistas e
vitórias são frutos de toda a minha entrega por tal causa, são as retribuições
do mundo por minha dedicação e sabedoria no manejo da vida – isso eu consigo
compreender de primeira, sem ser necessário pensar.
No entanto, na derrota,
sempre me fica a impressão de que todos faltaram quando mais precisei - meus
amigos, minha família - que minhas provações são maiores que a dos outros, que
o mundo foi cruel perante meus anseios.
Meu dedo esteve junto naquele gatilho, que disparou na direção de outra
vítima inocente.
A verdade é que carrego à culpa de tudo àquilo que minha alma sentiu,
mas, meu coração não enxergou.
Sou, no mínimo, cúmplice de todas as injustiças
e maldades que acontecem no mundo.
Depois de tantas reflexões um grande vazio me preencheu!
Eu sabia que toda minha ação causava uma reação ao mundo, porém, nunca
me dei conta de que meus atos, pensamentos e sentimentos pudessem influir tão
diretamente na vida do outro.
Comentei isso com o mestre espiritual, ao que
ele, retoricamente, complementou:
- Somos todos, em essência, seres de luz, de paz, do bem...
Contudo,
vez ou outra, por nossas falhas humanas, produzimos energia maléfica, negativa,
que, por sua vez, fluirá em todas as direções.
E, essa energia, afetará desde a
mais pura alma até aquele ser humano mais fragilizado, que já sobrevive no
limite inferior de seu caráter, perambulando pela face escura da vida, devido a
uma série de experiências e escolhas equivocadas tomadas ao longo de sua
existência.
E este último, munido da energia ruim que acabou de absorver do
mundo, irá atacar o primeiro que cruzar seu caminho (semelhante a uma serpente
em sua condição de animal irracional), para se defender, pois sente que o contato
com um ser que vibra numa energia diferente da sua representa perigo, um risco
para sua integridade, para a manutenção de sua ilusória zona de conforto.
O
medo nos devolve ao mundo irracional - o medo, a falta de fé, o egoísmo.
É
assim que contribuímos para com a falha do outro, incentivando ações de maldades
alheias.
Assim fomentamos o mal, a dor, o sofrimento.
Somos vítimas.
Vítimas de nossos próprios erros!
Provavelmente meu espírito ainda levará muitos séculos para compreender
e aceitar tudo isso plenamente.
Talvez nunca venha a compreender!
Mas, o tempo
urge!
É preciso recomeçar agora, errando menos, crendo mais em Deus e em seu
poder transformador.
Algumas práticas simples nos ajudam a manter boas vibrações, como, por
exemplo, o exercício da gratidão, que nos retira da ciranda das queixas e
amarguras; da compaixão, que nos traz a paz do sentimento de que nossos problemas
não são maiores do que os do próximo; da amorosidade, que leva embora a aura
cinza que nos envolve, abrindo espaço para todas as cores do mágico mundo que
nos rodeia; do perdão, que quebra ciclos ruins, elos viciosos, traumas e
ressentimentos inúteis.
Só somos capazes de emanar àquilo que produzimos.
No fundo, tudo é tão simples e fácil.
Requer apenas amor e entrega!
Ainda assim, infelizmente e sistematicamente, optamos por fazer o mal,
esquecendo tudo que a vida tem nos ensinado, pacientemente, ao longo das tantas
existências de nossa alma.
(...)
Felizmente, o menino nigeriano que vagava abandonado, desnutrido e
sozinho pelas ruas, após pagar muito mais do que devia ao mundo, foi resgatado
por uma voluntária, que dedica a missão de sua vida ao acolhimento de crianças
vítimas de superstição na África.
A criança ganhou um lar, pais carinhosos e
protetores e vários irmãos para brincar.
Recebeu o nome de Hope!
O resgate do pequeno Hope simboliza mais do que o fim de um carma
terrível e do que a correção de uma grande injustiça social.
Representa, assim
como o significado de seu nome, esperança!
Esperança, que precisamos cultivar,
de que todos os maltratados e injustiçados abandonados pelo mundo, também terão
sua oportunidade de serem resgatados, de recuperarem sua humanidade.
E mais do
que esperança, precisamos ajudar a pavimentar esse caminho de libertação, com
sentimentos, atitudes e intenções puras e repletas de amor.
Além disso, quando sentirmos que nós mesmos nos desviamos fortemente do
caminho, precisamos também querer ser resgatados, assim como Hope.
Precisamos
querer evoluir, alimentar nossa alma para tentar fazer o bem e evitar a
proliferação do mal, com uma maior consciência.
É preciso permitir que mais
magia abarque nossas vidas e que os bons presságios e intuições se sobressaiam,
mais frequentemente, a nossa fria racionalidade durante nossas escolhas.
Por
mais que as garras das trevas estejam sempre à espreita, existe uma luz que
nunca se apaga.
Depois de muito ver da vida, o homem simples aprendeu que cada ato seu
se refletirá por toda humanidade e, por isso, sente os sinais do mundo com
serenidade antes de pensar, pensa antes de agir e só age se for por amor.
Resgate a si mesmo, ao menor sinal de fraqueza!
Julius
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