quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Vai Dar Tudo Certo


Vai Dar Tudo Certo

Contou-me um amigo esta história. 
 
Conto-a, agora, a vocês.
 
Estava ele em uma farmácia, aguardando para comprar remédios. 

Pensava distante. 

Olhava para dentro de si mesmo e lamentava o diagnóstico. 

Teria de se medicar. 

Teria de mudar alguns hábitos. 

Seria preciso cuidar da saúde. 

O tempo passa e cobra o seu preço.  

Pensava também em outras coisas. 

Na avó que estava doente e que já não reconhecia as pessoas que dela se aproximavam. 

Pensava em um amigo que se acidentou em uma moto e que ainda aguardava sua vez de se submeter a uma cirurgia e salvar sua perna. 

Problemas da saúde pública, pensava ele no calor. 

E tentava se lembrar em que lugar lera que esse verão será mais quente do que o outro. 

Sempre gostou do calor, mas, com tantos problemas, mudou de opinião.  

Não havia espelhos para que visse sua expressão. 

Não percebera se, de fato, o seu olhar revelara alguma coisa. 

Foi quando uma senhora se aproximou e disse:-

- Vai dar tudo certo.

- Como? - ele quis saber.

- Vai dar tudo certo. 

Às vezes, demora um pouco. 

Não é no nosso tempo. 

Mas vai dar tudo certo.

Ele não expressou grande reação. 

Olhou para aquela mulher com as pernas grossas, cheias de varizes, acima do peso, um pouco suada, e com uma beleza nos olhos de dar gosto.

 - Vai dar tudo certo? - ele perguntou.

- Vai sim. 

- No fim, dá certo. 

É preciso apenas um pouco de Paciência, filho.

Filho. 

Meu amigo não tem mãe. 

Tem apenas avó. 

Fazia muito tempo que ninguém o chamava de filho. 

E com aquela candura no olhar. 

Ficou pensando nos problemas daquela mulher. 

Seria bom se ela operasse as varizes. 

Voltou a pensar no amigo. 

Talvez ela também esteja em alguma fila, aguardando a sua vez.  

Pensou em dizer a ela que deveria cuidar melhor da alimentação. 

Excesso de peso não faz bem. 

Ainda mais no calor. 

Desistiu de dizer esse texto. 

Nem sabe de onde tirou essa ideia.

- Cada um tem uma doença, filho. 

Às vezes, imaginamos que só nós temos problemas. 

Os problemas são democráticos. 

Pertencem a todos.

- É que uns são maiores do que os outros, a senhora não acha?

- Não sei, filho. 

Só sei que sempre dá certo para quem é bom. 

E você é bom.

- Eu sou bom? 

- Como a senhora sabe?

- Seus olhos.

Roubou-me um sorriso aquela mulher. 

Sorri sem receios. 

Sorri em retribuição ao afeto. 

Paguei os meus remédios, abracei aquela mulher e voltei para o meu mundo. 

Naquele dia, pelo menos, meus pensamentos viajaram para outras paisagens.

Minha avó, que agora diz pouca coisa, dizia que nossa ansiedade faz com que soframos antes de o sofrimento chegar. 

É preciso aguardar. 

E acreditar que vai dar tudo certo. 

Fico pensando em quantos sofrimentos nos atingiram pelos medos dos sofrimentos que nem vieram. 

Quantos sorrisos desperdiçados por não conseguirmos limpar os nossos pensamentos. 

Vão eles se acumulando de desnecessárias preocupações. 

Está nos evangelhos a linda reflexão sobre as aves do céu e os lírios do campo. 

Não se preocupam com o amanhã. 

E tem o que comer e se vestem com uma beleza sem igual. 

Evidentemente, temos de planejar nossa vida com responsabilidade. 

Mas sem exageros. 

Sem excessos de lamentações pelo que não veio ou pelo que poderá não vir.

Agradeça e, se possível, faça como fez aquela senhora ao meu amigo na farmácia. 

Roube um sorriso de alguém. 

Ajude a retirar o cargo que pesa. 

Porque vai dar tudo certo. 

Um detalhe desde que a intenção e a ação sejam boas.

 Gabriel Chalita 

 Diário de S. Paulo
Data:- 27/12/2015

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