segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Empréstimo


O Empréstimo

Rosalino Perneta alcançara os círculos da morte, em falência integral. 

Extrema bancarrota. 

Perdera todas as ricas possibilidades que o Senhor lhe colocara nas mãos. 

Estava sozinho, sob o látego do remorso e do sofrimento.

Por anos longos viveu assim o desventurado, chorando os dias perdidos e implorando a concessão de oportunidades novas.

Os lustros sucediam-se uns aos outros, quando Sizínio, velho Amigo Espiritual, veio ao encontro dele, fazendo-se-lhe visível.

Rosalino caiu-lhe aos pés, em soluços.

- Meu abençoado amigo – clamou em lágrimas -, por que tamanha desdita? 

Vivo num inferno de sombras e padecimentos incríveis. 

Onde está Deus que se não compadece de minha miserabilidade?

 Sizínio contemplou-o, paternalmente, e observou:-
- Não, Perneta. 

Não te lastimes de semelhante modo. 

Antes de tudo, recorda os próprios erros e lava o coração nas águas do arrependimento. 

Não atendeste aos deveres humanos, não cultivaste o campo da espiritualidade enobrecida, mergulhaste a alma em verdadeiro banho de lodo. 

Que fazer, agora, senão suportar a reparação com Paciência? 

Tem confiança e solidifica os bons propósitos.

O infeliz tentou enxugar o pranto copioso e, depois de outras considerações, alusivas ao passado, interrompidas pelas advertências e frases dor'>consoladoras do Amigo Espiritual, Rosalino terminou:-
 - Ah! Se eu pudesse voltar!... se eu pudesse renascer!...

 E, fixando no benfeitor o olhar dorido, acentuava:-
- Sizínio, meu grande irmão, não poderias obter-me a oportunidade nova? 

Auxilia-me, por piedade...

Intensamente comovido, o interlocutor prometeu ajudá-lo no que estivesse ao seu alcance.

E, com efeito, em breve Sizínio regressou à sombria furna, trazendo esperanças novas.

 Rosalino recebeu-o, radiante.

- Perneta – disse o amigo generoso -, sabes que o aval é ato grave para quem lhe assume a responsabilidade.

- Sei, sim – respondeu o misero.

 E o benfeitor prosseguiu:-
- Não ignoras também que, por enquanto, não tens direito a reclamação alguma.

- Reconheço.

- Desconsideraste as oportunidades divinas, menosprezaste a família, o trabalho, o corpo físico...

- Tudo é verdade – gemeu o infeliz.

 - Pois bem – continuou a Entidade Amiga -, não encontrei nenhuma expressão valiosa em tua existência última, na qual me pudesse basear, a fim de pedir alguma coisa em teu nome. 

Em razão disso, não somente reforcei tuas súplicas, como também solicitei um empréstimo para a tua experiência nova. 

Há na terra grande movimento de Restauração do Evangelho, renovando Esperança e redimindo corações.

Terás nele humilde e valiosa posição de trabalhador e ensinarás, no plano dos encarnados o caminho justo aos necessitados da esfera visível e invisível.

Entretanto, meu caro, o serviço não será fácil, porque não se resumirá a questão de palavras. 

Serás constrangido a viver o ensinamento em ti mesmo, não atenderas aos caprichos próprios, não procuraras o contentamento da ilusão, mas sim, atenderas a tudo o que representa interesse de Jesus, no circulo das criaturas. 

Deves muito aos homens e encontraras no empréstimo a que me refiro os recursos indispensáveis ao pagamento.

Rosalino ouvia feliz.

- Recomendo, com insistência – acentuou Sizínio, criterioso -, não esqueças a tua condição de devedor. 

O Lar, o Carinho dos Teus, a Benção Materna, a Saúde Física, o Ambiente de Trabalho, o Pão Cotidiano, o Campo de Testemunho Cristão e todas as demais possibilidades constituirão o precioso deposito do Senhor em caráter experimental às tuas mãos, porque não dispões ainda do justo merecimento. 

Recorda que vais movimentar um patrimônio que te não pertence por direito e que receberás, por Bondade de Jesus, semelhante concessão a titulo precário. 

Vê como te comportas!...

Prometeu Rosalino fiel observância ao compromisso.

Fez cálculos, expôs o que pensava do futuro e até marcou o tempo de materializar no mundo as promessas que formulava entusiasta, com o grande otimismo do devedor, à fonte de recursos novos.

Sizínio mobilizou as medidas necessárias e o amigo teve a felicidade de renascer junto de pais cristãos que, desde o berço, lhe forneceram sublimes notícias do Cristo.

Perneta, no entanto, nas primeiras recapitulações, demonstrou a maior teimosia e a antiga má-vontade.

Não valiam Lições de Jesus no Evangelho, conselhos paternais e sugestões superiores e indiretas de Sizínio que o acompanhava, solicito, do plano espiritual. 

Apesar de advertido, assistido e guiado, Perneta não queria saber de problemas fundamentais do destino.

Apossara-se novamente da vida terrestre, como o fauno sequioso de prazer na floresta das emoções planetárias.

Convidado ao serviço de espiritualização, não respondeu à chamada, alegando que os pais cometiam a loucura de se devotarem ao bem dos outros. 

Dizia-se incompreendido, inadaptado e, se alguém o compelia a raciocínios mais lógicos, reportava-se à escassez de tempo e à falta de oportunidade.

Voltou vagarosamente aos mesmos erros criminosos de outra época. 

Casou-se, foi esposo e pai, mas nunca se rendeu, de fato, às obrigações do lar, junto da esposa e dos filhos.

Borboleteava à procura de sensações que lhe saciassem a vaidade.

Quando alguma voz amiga se referia à espiritualidade, esquivava-se ao assunto, apressado. 

Não pretendia cogitar de assuntos referentes à religião, à morte, ao “outro mundo” – dizia, enfático e orgulhoso.

Sizínio, vigilante, desvelara-se no sentido de chamá-lo aos compromissos assumidos; no entanto, tão grandes faltas perpetrara Rosalino, que, ao atingir ele os quarenta e cinco anos, outros Amigos Espirituais da família que o recebera, generosamente, começaram a reclamar providencias ativas.

Em vão se movimentou o avalista, no propósito de acordá-lo para as realidades essenciais.

Perneta, porém, não respondia satisfatoriamente.

Declarava-se muito bem, desenvolvendo embora a longa serie de disparates.

A experiência, todavia, chegava ao fim.

Em virtude da rebeldia e da ingratidão de Rosalino, os Superiores Espirituais intimaram Sizínio a retirar o empréstimo concedido. 

Não obstante a amargura, o velho amigo foi obrigado a obedecer.

O avalista iniciou o trabalho, alimentando, ainda, a esperança de que o companheiro despertasse.

Operou devagarinho, ansioso de observar-lhe alguma reação benéfica, mas o desventurado não sabia revoltar-se e ferir.

Primeiramente, a esposa de Perneta foi chamada à vida espiritual; em seguida, os filhinhos separaram-se de sua companhia. 

A casa em que se lhe situara o ninho domestico foi a leilão paa pagamento de vultosas dividas. 

Perdeu, mais tarde, o emprego e a consideração dos amigos. 

Os bens emprestados foram sendo recolhidos por Sizínio lentamente.

Rosalino, porém, não mostrava qualquer sinal de renovação.

Foi irredutível na maldade, na ingratidão, na blasfêmia.

Por fim, o avalista retirou-lhe a ultima concessão, que era a saúde física.

No leito humilde de hospital, reconsiderou Perneta a situação, refletiu com mais clareza nas bênçãos de Deus e meditou na eternidade, desejando voltar no tempo, mas ... era tarde.

Não valeram rogativas e prantos.

Em manhã muito fria, absolutamente isolado de todos, apartou-se do corpo de carne, premido pelas exigências da morte.

Recomeçou para ele, então, o angustioso caminho.

Recordou o empréstimo, a dedicação do benfeitor, os compromissos anteriores, a bondade que o cercara em todos os instante, no transcurso de sua experiência na terra. 

Implorou a presença da esposa, nas densas trevas de que se rodeava, mas o silencio inalterável era a única resposta às suas suplicas. 

Não obstante envergonhado, rogou a visita de Sizínio, mas o benfeitor, agora, parecia inacessível.

Desdobraram-se muitos anos, quando, um dia, o Amigo Dedicado se fez visível, novamente.

- Sizínio! Sizínio! – gritou Perneta, em lagrimas dolorosas – ajuda-me! 
- Compadece-te de mim! 
 - Estende-me as tuas mãos, nobre amigo! 
- Perdoa-me e atende-me!

E, antes que o velho companheiro respondesse, desfiou o rosário das justificativas, das reclamações, dos remorsos e desculpas.

Quando terminou, em soluços, o protetor fixou nele o olhar muito lúcido e asseverou:-
- Por enquanto, Rosalino, ainda não paguei todas as conseqüências do empréstimo que te foi concedido e do qual fui espontaneamente avalista. 

Tuas lágrimas, agora, não me sensibilizam tão fortemente o coração. 

Ofereci-te o suor que salva, mas preferiste o pranto que lamenta. 

Pede, pois, ao Senhor que te renove a Esperança, porque, para voltar ao empréstimo contraído, é muito tarde!...

Irmão X

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