domingo, 20 de dezembro de 2015

O Elogio da Abelha


O Elogio da Abelha

A Grande mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo Sol, penetrou uma sala e encontrou uma abelha humilde a carregar pequena provisão de recursos para elaborar o mel.

 A mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa:
- Onde surges, todos fogem. 

Não te sentes indesejável? 

Teu aguilhão é terrível.

- Sim – disse a abelha com desapontamento -, creia que sofro muitíssimo quando sou obrigada a interferir. 

Minha defesa é, quase sempre, também a minha morte.

- Mas não podes viver com mais distinção e delicadeza? – tornou a mosca – por que ferretoar, a torto e a direito?

- Não minha amiga – esclareceu a interlocutora -, não é bem assim. 

Não sinto prazer em perturbar. 

Vivo tão-somente para o trabalho que Deus me confiou, que representa benefício geral. 

E, quando alguém me impede a execução do dever, inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a própria vida.

-Creio, porém, que se tivesses modos diferentes... se polisses as asas para que brilhassem à claridade solar, se te vestisses em cores iguais às minhas, talvez não precisasses alarmar a ninguém. 

Pessoa alguma te recearia a intromissão.

- Ah! 
- Não posso despender muito tempo em tal assunto – alegou a abelha criteriosa. 

– O serviço não me permite a apresentação exterior muito primorosa, em todas as ocasiões. 

A produção de mel indispensável ao sustento da nossa colméia, e necessária a muita gente, não me ofereces ensejo a excessivos cuidados comigo mesma.

- Repara! – disse-lhe a mosca, desdenhosa – tuas patas estão em lastimável estado...

 - Encontro-me em serviço – explicou-se a operária humildemente.

- Não! não! – protestou a outra – isto é monturo e relaxamento.

E limpando caprichosamente as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual se estivesse em observação.

Nesse instante, duas senhoras e uma criança penetraram o recinto e, notando a presença da abelha que buscava sair ao encontro de companheiras distantes, uma das matronas gritou, nervosa:-
 - Cuidado! cuidado com a abelha! 
- Fere sem piedade!...

A pequeninha trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba a exibir-se, voando despreocupada.

 - Que maravilha! – exclamou uma das senhoras.
- Parece uma jóia! – disse a outra.

 A mosca preguiçosa planou... planou... e, encaminhando-se para a copa, penetrou o guarda-comida, deitando varejeiras na massa dos pastéis e em pratos diversos que se preparavam para o dia seguinte. 

Acompanhou a criança, de maneira imperceptível, e pousou-lhe na cabeça, infeccionando certa região que se achava ligeiramente ferida.

Decorridas algumas horas, sobravam preocupações para toda a família. 

A encantadora mosca verde-azul deixara imundície e enfermidade por onde passara.

Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida?

Há criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradável, à primeira vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todas; e há muita gente de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de seduzir-nos a atenção pela beleza da forma, nos deixa apenas larvas da calúnia, da intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento.

Neio Lucius

Nenhum comentário:

Postar um comentário