Professor de Prática de Ensino de Língua
Portuguesa
Departamento de Letras, Artes e Cultura
Departamento de Letras, Artes e Cultura
Universidade Federal de São João del-Rei/MG
Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.
Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.
Lembro-me de minha mãe mandando a gente
caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum
conhecido.
Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé.
Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo.
E os donos da casa recebiam alegres a visita.
Aos poucos, os moradores iam se
apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto!
Cumprimenta a
comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino.
Repetia-se toda
a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente.
Que surpresa
agradável!
A conversa rolava solta na sala.
Meu pai conversando com o
compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meus irmãos ficávamos assentados
todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal
compadre.
Retratos na parede, duas imagens
de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e
acolhedora.
A nossa também era
assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras.
Tão
acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.
Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá
da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:-
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica.
O café era apenas uma parte:-
- Pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
- Pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam.
As gargalhadas também.
Pra que
televisão?
Pra que rua?
Pra que droga?
A vida
estava ali, no riso, no café, na conversa, no
abraço, na esperança...
Era a vida
respingando eternidade nos momentos que acabam....
Era a vida transbordando
simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa
ficavam à porta até que virássemos a esquina.
Ainda nos acenávamos.
E
voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o
coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Recebíamos as visitas com o coração em festa..
A mesma alegria se repetia.
Quando iam embora, também ficávamos, a
família toda, à porta.
Olhávamos, olhávamos...
Até que sumissem no
horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão.
Tive bons
professores:-
- Televisão, vídeo, DVD, e-mail...
Cada um na sua e ninguém
na de ninguém.
Não se recebe mais em casa.
Agora a
gente combina encontros com os amigos fora de casa:-
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais
assustados que assustadores.
Casas trancadas...
Pra que abrir?
O ladrão
pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo
fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre
e da comadre!
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