quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Que saudade do compadre e da comadre !





             "O Tempo passou e me formei em solidão"
 




José Antônio Oliveira de Resende  
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa
Departamento de Letras, Artes e Cultura
Universidade Federal de São João del-Rei/MG
 

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.

Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. 

Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. 
Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. 
E os donos da casa recebiam alegres a visita. 

Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

- Olha o compadre aqui, garoto! 
Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. 

Aí chegava outro menino. 
Repetia-se toda a diplomacia.

- Mas vamos nos assentar, gente. 
Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. 
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. 

Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre.

 Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.

 A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. 
Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.

Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:-
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. 
O café era apenas uma parte:-
- Pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. 
As gargalhadas também. 
Pra que televisão?

Pra que rua? 
Pra que droga? 
A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... 

Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam....
Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. 
Ainda nos acenávamos. 

E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa. 

Recebíamos as visitas com o coração em festa.. 

A mesma alegria se repetia. 
 
Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. 
Olhávamos, olhávamos... 
Até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. 
Tive bons professores:- 
- Televisão, vídeo, DVD, e-mail... 
Cada um na sua e ninguém na de ninguém. 

Não se recebe mais em casa. 
Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:-
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios,
que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. 

Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas... 
Pra que abrir? 
O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre! 

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