terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Tempo passou e me formei em solidão !





        "O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO" 

José Antônio Oliveira de Resende 
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei/MG.

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. 
 
Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. 

Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé.
 
Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. 
 
E os donos da casa recebiam alegres a visita. 
 
Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

- Olha o compadre aqui, garoto! 
 
Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. 
 
Aí chegava outro menino. 
 
Repetia-se toda a diplomacia.

- Mas vamos nos assentar, gente. 
 
Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. 
 
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. 
 
Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre.
 
 Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.
 
 A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. 
 
Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:-
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. 
 
O café era apenas uma parte:-
- pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. 
 
Pra que televisão?
 
Pra que rua? 
 
Pra que droga? 
 
A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço,
na esperança... 
 
Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam....
 
...era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. 
 
Ainda nos acenávamos. 
 
E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
 
 Era assim também lá em casa. 
 
Recebíamos as visitas com o coração em festa... 
 
A mesma alegria se repetia. 
 
Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. 
 
Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. 
 
Tive bons professores:-
- televisão, vídeo, DVD, e-mail... 
 
Cada um na sua e ninguém na de ninguém. 
 
Não se recebe mais em casa. 
 
Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:-
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e Possibilidades enterradas. 
 
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas... 
 
Pra que abrir? 
 
O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre! 
 
Recebido por e-mail da
Amiga Daly
 

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