Ética e Progresso
Assim
como o organismo humano e o organismo animal estão sujeitos a doenças,
muitas vezes incuráveis e dolorosas, também o organismo social adoece em
pequena ou grande escala.
Por isso mesmo, há uma disciplina que se
ocupa justamente das doenças da sociedade:-
- A Patologia Social.
É
matéria, principalmente, do interesse dos sociólogos, antropólogos e
especialistas em Psicologia Social.
Mas, não se deve estabelecer analogia entre as doenças da sociedade e as doenças do ser humano, individualmente, como já se fez noutros tempos.
Mas, não se deve estabelecer analogia entre as doenças da sociedade e as doenças do ser humano, individualmente, como já se fez noutros tempos.
Sim, noutros tempos,
porque havia em determinados círculos intelectuais, a bem dizer no
apogeu da concepção positivista, a ideia de que os fenômenos sociais têm
correspondência com os fenômenos biológicos.
Então, as doenças do
indivíduo e as da sociedade poderiam ser consideradas analogicamente.
E
não faz mal lembrar que, por influência desse pensamento, a Psicologia
ficou “enquadrada” na Biologia por muito tempo, tendo-se tornado ciência
autônoma à custa de muita discussão e, assim, pela força mesma das
coisas.
É certo que a sociedade, com os seus desequilíbrios, concorre muito para que indivíduos e grupos adoeçam.
É certo que a sociedade, com os seus desequilíbrios, concorre muito para que indivíduos e grupos adoeçam.
Vive-se, hoje, por
exemplo, em constante estado de tensão, porque a maioria está ficando
cada vez preocupada com a poluição nos grandes centros urbanos, a
“disparada” do custo de vida, a insegurança nas ruas, nos ônibus, no
trabalho e até mesmo dentro de casa, onde cada qual deveria ter o seu
refúgio tranquilo, depois da luta cotidiana do ganha-pão.
Alguém já disse que estamos sob uma “civilização do medo”. Realmente.
Alguém já disse que estamos sob uma “civilização do medo”. Realmente.
Tem-se
medo de tudo, hoje em dia, porque os perigos acompanham os passos de
todos, homens e mulheres, moços e velhos.
É inevitável, pois, que a
repercussão da própria inquietação social provoque abalos emocionais
muito profundos na vida pessoal e abra caminho para neuroses, distúrbios
cardíacos, formação de úlceras etc.
E se o elemento humano já está um
pouco predisposto, obviamente ainda será mais rápido o efeito da
conjuntura social, cujos atritos afetam o sistema nervoso de muita
gente.
Todavia, pelo que se pode colher através de estudos divulgados
atualmente, até certo ponto há uma relação entre a patologia social e a
patologia individual.
As “doenças da sociedade”, como dizem alguns observadores, não podem ser equiparadas indiscriminadamente às doenças do homem em si mesmo, uma vez que os mecanismos biológicos são de natureza diferente da natureza dos mecanismos que acionam os processos sociais.
As “doenças da sociedade”, como dizem alguns observadores, não podem ser equiparadas indiscriminadamente às doenças do homem em si mesmo, uma vez que os mecanismos biológicos são de natureza diferente da natureza dos mecanismos que acionam os processos sociais.
Já se cometeu esse engano anteriormente — convém
dizer de novo — porém, hoje os estudos sociais têm uma visão muito mais
lúcida e desenvolvida a respeito das relações do ser humano com o meio
social.
O que existe, entretanto, e é justamente o que nos interessa, é a influência das tensões sociais no psiquismo individual, por causa dos traumas e dos abalos emocionais a cada hora.
O que existe, entretanto, e é justamente o que nos interessa, é a influência das tensões sociais no psiquismo individual, por causa dos traumas e dos abalos emocionais a cada hora.
As notícias
de tragédias, roubos, assaltos, suicídios, desfalques vultosos, assim
como de perseguições e pressões políticas, muitas vezes exploradas com
ênfase na TV ou nas manchetes, sensibilizam imediatamente e
causam transtornos profundos em muitas pessoas.
É o ônus que se paga ao
desenvolvimento tecnológico da comunicação.
Por isso mesmo, há pessoas
que resolveram desligar-se de tudo e não tomar conhecimento de notícias,
justamente para que não sejam emocionalmente envolvidas.
Ainda que seja discutível a designação de patologia social para os que não veem propriedade nessa expressão, verdade é que a sociedade tem aspectos negativos ou doentios.
Ainda que seja discutível a designação de patologia social para os que não veem propriedade nessa expressão, verdade é que a sociedade tem aspectos negativos ou doentios.
E uma sociedade cujas
crônicas se enchem diariamente de crimes, violências e degradação moral
não é realmente uma sociedade doente?
O fenômeno, infelizmente, não está configurado entre as fronteiras de um país, pois é de ordem geral.
O fenômeno, infelizmente, não está configurado entre as fronteiras de um país, pois é de ordem geral.
Se existe, de fato, um aspecto doentio na sociedade, e não seria
possível fechar os olhos à evidência, pois os tumores e as chagas
sociais são ostensivas e deprimentes, precisamos alargar a nossa ótica e
observar também o aspecto sadio, isto é, o que vemos de grande e
humanitário em todas as latitudes da paisagem social.
Ao lado da miséria material e da miséria moral, tanto quanto do egoísmo e da velhacaria ou da desumanidade e do vício, que corrompe e degrada, estão os belos e edificantes exemplos de amor e renúncia, dedicação e dignidade, contrabalançando a onda de ódio e decadência moral.
Ao lado da miséria material e da miséria moral, tanto quanto do egoísmo e da velhacaria ou da desumanidade e do vício, que corrompe e degrada, estão os belos e edificantes exemplos de amor e renúncia, dedicação e dignidade, contrabalançando a onda de ódio e decadência moral.
Há muita
gente trabalhando de corpo e alma em benefício do próximo,
desinteressadamente; muita gente, afinal, que está curando as feridas da
alma nos organismos individuais para curar as feridas do organismo
social.
Neste particular, a ação espírita está desempenhando um papel
dos mais positivos.
Estão aí, à vista de todos, as obras de assistência à infância e à velhice, obra criada e sustentada com amor, acima dos próprios interesses pessoais em muitos casos.
Estão aí, à vista de todos, as obras de assistência à infância e à velhice, obra criada e sustentada com amor, acima dos próprios interesses pessoais em muitos casos.
O trabalho de
reerguimento espiritual e de socorro material realizado por equipes
espíritas nos ambientes mais obscuros da sociedade, assim como nas
prisões e nos pontos mais afastados dos centros asfaltados, é um esforço
persistente e desprendido em benefício da própria coletividade.
Não se trata apenas de dar o pão para o corpo ou vestir os maltrapilhos, que inspiram piedade, pois é preciso, indispensavelmente, esclarecer e educar a criatura humana, ajuda-la a reerguer-se conscientemente pelo conhecimento e pelo amor.
Não se trata apenas de dar o pão para o corpo ou vestir os maltrapilhos, que inspiram piedade, pois é preciso, indispensavelmente, esclarecer e educar a criatura humana, ajuda-la a reerguer-se conscientemente pelo conhecimento e pelo amor.
Pois é exatamente o que faz o elemento
espirita.
Sempre que se consegue retirar o homem do antro do crime e do vicio, reintegrando-o na convivência pacífica e honesta, naturalmente se dá um passo a mais na eliminação das feridas que sangram na sociedade.
Neste grande trabalho, muitas vezes anônimo, se engajam obreiros de diversos credos, como também pessoas vinculadas a vários movimentos, religiosos ou não.
Sempre que se consegue retirar o homem do antro do crime e do vicio, reintegrando-o na convivência pacífica e honesta, naturalmente se dá um passo a mais na eliminação das feridas que sangram na sociedade.
Neste grande trabalho, muitas vezes anônimo, se engajam obreiros de diversos credos, como também pessoas vinculadas a vários movimentos, religiosos ou não.
Tem, aí, o movimento espírita uma
posição relevante, justamente porque vem realizando cada vez mais um
trabalho constante de educação, assistência e reerguimento espiritual,
sem o que não haverá melhoramento do homem em termos profundos.
Seria difícil firmar um diagnóstico exato dos males sociais.
Seria difícil firmar um diagnóstico exato dos males sociais.
Cada qual encara
os problemas por um prisma, de acordo com a sua formação e suas
inclinações.
Há um ponto, entretanto, em que a inteligência das mais
argutas e desapaixonadas pensa de um modo convergente:-
- A sociedade
ressente-se profundamente da falta de valores éticos.
Daí resulta o
acentuado e espantoso descompasso entre o desenvolvimento material e o
adiantamento espiritual.
O mundo dos negócios, em grande parte, está mais voltado para o êxito imediato sem a preocupação de saber o que deve e o que não deve ser lícito.
O mundo dos negócios, em grande parte, está mais voltado para o êxito imediato sem a preocupação de saber o que deve e o que não deve ser lícito.
A ética fica inteiramente fora de
cogitações em muitos casos.
É natural que haja o aceleramento econômico,
como é natural e necessário que se enriqueça o aparelhamento
tecnológico, mas também é necessário, senão indispensável, que não se
despreze o lado ético das transações.
Deve haver um ponto de limite moral nas ambições humanas.
Deve haver um ponto de limite moral nas ambições humanas.
Por isso mesmo é que alguns
pensadores notam a flagrante falta de ética e acham, com razão, que a
sociedade está sofrendo graves consequências por causa do contraste
entre as realizações materiais, inegavelmente impressionantes, e os
padrões de moralidade na vida particular e na vida social.
Albert Schweitzer, o homem que, deixando as comodidades da chamada “grande civilização”, foi para a África longínqua, onde realizou verdadeiro apostolado entre populações pobres e atrasadas.
Albert Schweitzer, o homem que, deixando as comodidades da chamada “grande civilização”, foi para a África longínqua, onde realizou verdadeiro apostolado entre populações pobres e atrasadas.
Desconfiava muito da
cultura exterior, justamente porque, como pensador e humanista, médico e
homem de grande coração, sentia que a falta de ética estava ameaçando o
destino da civilização.
Seria um visionário?
Ou seria Schweitzer muito
mais realista do que certos homens práticos, para os quais somente os
valores utilitários e o poder das técnicas têm significação na vida
humana?...
E as doenças da sociedade, em grande parte, não decorrem exatamente da ausência de moralidade ou de respeito ao escrúpulo e ao foro da consciência, sede da Lei Moral, como ensina a Doutrina Espírita?
E as doenças da sociedade, em grande parte, não decorrem exatamente da ausência de moralidade ou de respeito ao escrúpulo e ao foro da consciência, sede da Lei Moral, como ensina a Doutrina Espírita?
Claro que Schweitzer não era um sonhador, mas um
observador da realidade humana.
Pois bem, há mais de um século — é bom que muita gente saiba disto — a Doutrina Espírita já se pronunciava sobre este problema, como que antevendo a situação de hoje.
Pois bem, há mais de um século — é bom que muita gente saiba disto — a Doutrina Espírita já se pronunciava sobre este problema, como que antevendo a situação de hoje.
Recorramos apenas à questão 785, de “O Livro dos Espíritos”:-
- Há duas
espécies de progresso, que se apoiam mutuamente e que, entretanto, não
marcham em paralelo: o progresso intelectual e o progresso moral.
O equilíbrio entre as duas ordens de progresso é questão de tempo, ainda segundo o ensino espírita.
Já houve muito progresso, inegavelmente, nas instituições, nas ciências, e assim por diante, o que, aliás, está previsto no mesmo texto espírita, porém os acontecimentos deste meio século se sucedem de tal forma e com tanta agressividade que exigem mais reflexão a respeito dos padrões de ética para evitar, tanto quanto possível, maior descalabro social.
Todos os movimentos preocupados com os problemas espirituais, embora não se descuidem dos problemas terrenos, devem empregar a inteligência, a criatividade e o verdadeiro espírito de serviço na cruzada de educação do homem, mas uma forma de educação capaz de penetrar-lhe o mundo íntimo e despertá-lo ainda em tempo.
Neste campo, sem a menor dúvida, muito mais ainda será pedido ao movimento espírita; -
Já houve muito progresso, inegavelmente, nas instituições, nas ciências, e assim por diante, o que, aliás, está previsto no mesmo texto espírita, porém os acontecimentos deste meio século se sucedem de tal forma e com tanta agressividade que exigem mais reflexão a respeito dos padrões de ética para evitar, tanto quanto possível, maior descalabro social.
Todos os movimentos preocupados com os problemas espirituais, embora não se descuidem dos problemas terrenos, devem empregar a inteligência, a criatividade e o verdadeiro espírito de serviço na cruzada de educação do homem, mas uma forma de educação capaz de penetrar-lhe o mundo íntimo e despertá-lo ainda em tempo.
Neste campo, sem a menor dúvida, muito mais ainda será pedido ao movimento espírita; -
- Pois uma Doutrina
que explica a sobrevivência após a morte com o testemunho dos fatos;
- Uma
Doutrina que nos fala da justiça divina sem castigos eternos, mas à luz
de uma filosofia que infunde esperança e coragem, com apoio da
reencarnação;
- Uma Doutrina, enfim, que nos mostra o próprio Evangelho
aplicado à vida em todas as circunstâncias tem muito o que oferecer à
sociedade como remédio para as feridas que se abrem de alto a baixo, em
todos os níveis.
Fonte:- Revista “Aurora”, agosto de 1982, págs. 4 e 5, ano IV, nº 9 – Duque de Caxias-RJ.
Deolindo Amorim nasceu na Bahia em 23 de janeiro de 1906 e desencarnou no Rio de Janeiro, em 24 de abril de 1984.
Fonte:- Revista “Aurora”, agosto de 1982, págs. 4 e 5, ano IV, nº 9 – Duque de Caxias-RJ.
Deolindo Amorim nasceu na Bahia em 23 de janeiro de 1906 e desencarnou no Rio de Janeiro, em 24 de abril de 1984.
É considerado, ao lado de Carlos
Imbassahy e Herculano Pires, um dos maiores pensadores espíritas do
Brasil.
Jornalista, sociólogo, escritor espírita de estilo professoral,
extremamente didático e elegante, Deolindo foi um dos maiores
divulgadores do Espiritismo como cultura e voltado para a análise de
questões da atualidade.
Fundou o Instituto de Cultura Espírita do Brasil
(ICEB), foi um dos idealizadores da Associação Brasileira de
Jornalistas e Escritores Espíritas (Abrajee) e graças ao seu empenho, em
conjunto com a Liga Espírita do Brasil, realizou-se no Rio de Janeiro,
em 1949, o II Congresso Espírita Pan-Americano.
Obras:-
- Espiritismo
e Criminologia;
- O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas;
- Africanismo e Espiritismo;
- O Espiritismo e os Problemas Humanos;
- Ideias e
Reminiscências Espíritas;
- Allan Kardec, o Homem e o Meio, dentre
outras.
Deolindo Amorim
Outubro de 2013
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