Escolha Acertada
A época era de dificuldades.
Os dramas humanos se multiplicavam nas
estradas da China, sem que ninguém tivesse muito tempo para olhar para o
lado e tentar auxiliar o vizinho.
Foi durante a guerra civil chinesa, que sucedeu ao conflito mundial da segunda guerra.
Wong e sua esposa Lee, com as quatro filhas, tinham urgência em sair de Hong Kong.
Ele era um ilustre professor procurado pelas forças que
oprimiam o país.
Enquanto ele tentava conseguir um meio de transporte que, por muito dinheiro, os pudesse levar para o campo, à casa de um tio, onde se poderiam ocultar, tentando salvar as próprias vidas, Lee acomodava as pequenas ao seu redor.
Ela precisava cuidar da bagagem, porque na confusão das ruas não eram poucos os que se aproveitavam para saquear os descuidados.
Precisava também atender as crianças que, um tanto assustadas, em meio à movimentação intensa, choramingavam, agarradas às suas vestes.
Num tempo que pareceu eterno, o marido chegou com um Jinriquixá, uma espécie de carrinho, puxado por um homem.
Mas, enquanto ele
providenciava a acomodação das malas, embrulhos e valises no pequeno
transporte, um outro se aproximou.
Com certeza, vislumbrando a chance de um bom dinheiro, ofereceu-se para levar a família ao seu destino.
Esperto, sabendo do preço elevado que o
outro fizera, propôs um valor menor.
O professor Wong, homem prático, aceitou.
Porém, Lee, a esposa, disse
que não era correto deixar o homem que antes fora contratado.
Afinal,
ele perdera seu tempo, andara até ali puxando seu veículo e merecia
respeito.
Falou de forma tão incisiva que o marido aceitou suas ponderações e lá se foram, no transporte mais caro.
A viagem não teve maiores dificuldades.
Uns sustos aqui e ali, à conta
de homens inescrupulosos pelo caminho, contudo, chegaram bem ao final da
viagem.
Quer dizer, quase ao final.
Porque o tio de Wong morava do outro lado do canal, e o Jinriquixá não ousou atravessá-lo.
Saltando do veículo, o casal dividiu a bagagem entre si e as pequerruchas, que tiveram também que carregar alguns embrulhos, apesar do pequeno tamanho, e atravessaram a ponte a pé.
Chegando à casa do tio e recebidos, com surpresa natural, começaram a se acomodar nos poucos cômodos.
Depois que alimentou as filhas e as deitou
para o descanso, transcorridas em torno de duas horas da chegada, Lee
se deu conta que faltava uma mala.
“Meu Deus!” Gritou ela.
Logo aquela em que havia escondido todo o dinheiro que haviam conseguido juntar, antes da fuga.
E agora?
O coração em descompasso, pôs-se a chorar, abraçada ao marido.
“Como continuar a fuga sem dinheiro?
Como dar continuidade à vida, sem
nada a não ser as roupas e quatro bocas famintas para alimentar?”
Enquanto se dispunha, afinal, a secar as lágrimas, erguer a cabeça e recomeçar as lutas para a sobrevivência, alguém bateu na porta.
Todos se olharam temerosos.
Seriam andarilhos salteadores?
Seriam guerrilheiros que haviam descoberto a fuga?
O tio, procurando demonstrar uma calma que longe estava de sentir, abriu a porta.
A punição por acolher fugitivos era severa.
Talvez a morte.
Mas, na porta, estava o condutor…
Com a mala.
Viera devolvê-la, tão logo se dera conta que fora esquecida em seu transporte.
Fizera um longo trajeto de volta, ousara atravessar a ponte, somente para entregar a uma família fugitiva, a bagagem, com todo o seu conteúdo intacto.
O tio nem esboçou atitude.
Todos ficaram parados, sem reação, pelo
inusitado do momento.
Um gesto de honestidade em meio à confusão que
vivia o país e onde muitos somente pensavam em tomar de outros, à força,
o que pudessem.
Lee ajoelhou-se e agradeceu a Deus que lhe havia inspirado para fazer a viagem com aquele homem, apesar do preço mais elevado.
A gratidão nasce nos momentos mais inusitados e a honestidade se revela nos corações bem formados.
Mesmo em meio ao caos, o homem guarda na intimidade valores reais dos quais lança mão em momentos precisos.
Por vezes, um simples gesto pode resultar em muitas bênçãos.
Como o de
Lee, em manter a fidelidade ao contrato verbal acertado com um
desconhecido, em um momento de angústia e quase pavor, que alcançou
ressonância em outro coração, quiçá, tão perseguido e maltratado como o
dela mesma.
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