O céu estrelado
Um livro grandioso, dissemos, está aberto aos nossos olhos, e todo
observador paciente pode ler nele a palavra do enigma, o segredo da vida
eterna.
Aí se vê que uma vontade dispôs a ordem majestosa em que se agitam
todos os destinos, se movem todas as existências, palpitam todos os
corações.
Ó alma! aprende primeiro a suprema lição que desce dos espaços
sobre as frontes apreensivas.
O Sol está escondido no horizonte; seus
alvores de púrpura tingem ainda o céu; luz serena indica que, além, um
astro se velou aos nossos olhos.
A noite estende acima de nossas cabeças
seu zimbório constelado de estrelas.
Nosso pensamento se recolhe e procura o segredo das coisas.
Voltemo-nos para o oriente.
A Via Láctea expande, qual imensa fita, suas
miríades de estrelas, tão aconchegadas, tão longínquas, que parecem
formar uma contínua massa.
Por toda parte, à medida que a noite se
torna mais densa, outras estrelas aparecem, outros planetas e acendem
qual se fossem lâmpadas suspensas no santuário divino.
Através das
profundezas insondáveis, esses mundos permutam os seus raios de prata;
impressionam-nos, a distância, e nos falam uma linguagem muda.
Eles não brilham todos com o mesmo fulgor:-
- A potente Sírius não se
pode comparar à longínqua Capela.
Suas vibrações gastaram séculos a
chegar até o nosso olhar, e cada um de seus raios vale por um cântico,
uma verdadeira melodia de luz, uma voz penetrante.
Esses cânticos se
resumem assim:-
- “Nós também somos focos de vida, de sofrimento, de
evolução.
Almas, aos milhares, cumprem, em nós, destinos semelhantes aos
vossos”.
Entretanto, todos não têm a mesma linguagem, porque uns são moradas
de paz e de felicidade, e outros, mundos de luta, de expiação, de
reparação pela dor.
Uns parecem dizer:-
- Eu te conheci, alma humana,
alma terrestre; eu te conheci e hei de te tornar a ver!
Eu te
abriguei em meu seio outrora, e tu voltarás a mim.
Eu te espero,
para, por tua vez, guiares os seres que se agitam em minha superfície!
E depois, mais longe ainda, essa estrela que parece perdida no fundo
dos abismos do céu e cuja luz trêmula é apenas perceptível, essa estrela
nos dirá:-
-Eu sei que tu passarás pelas terras que formam meu cortejo, e que eu
inundo com os meus raios; eu sei que tu aí sofrerás e te tornarás
melhor.
Apressa a tua ascensão.
Eu serei e sou já para contigo uma vera
amiga, porque até mim chegou o teu apelo, tua interrogação, tua prece a
Deus.
Assim, todas as estrelas nos cantam seu poema de vida e amor, todas
nos fazem ouvir uma evocação poderosa do passado ou do futuro.
Elas
são as “moradas” de nosso Pai, os estádios, os marcos soberbos das
estrelas do Infinito, e nós aí passaremos, aí viveremos todos para
entrar um dia na luz eterna e divina.
Espaços e mundos, que maravilhas nos reservais?
Imensidades sidéreas,
profundezas sem limites, dais a impressão da majestade divina.
Em
vós, por toda parte e sempre, está a harmonia, o esplendor, a
beleza!
Diante de vós, todos os orgulhos caem, todas as vanglórias se
desvanecem.
Aqui, percorrendo suas órbitas imensas, estão astros de fogo
perto dos quais o nosso Sol não é mais que simples facho.
Cada um deles
arrasta em seu séquito um imponente cortejo de esferas que são outros
tantos teatros da evolução.
Ali, e assim na Terra, seres sensíveis
vivem, amam, choram.
Suas provações e suas lutas comuns criam entre si
laços de afeto que crescerão pouco a pouco.
E é assim que as almas
começam a sentir os primeiros eflúvios desse amor que Deus quer dar a
conhecer a todos.
Mais longe, no insondável abismo, movem-se
mundos maravilhosos, habitados por almas puras, que conheceram
o sofrimento, o sacrifício, e chegaram aos cimos da perfeição; almas que
contemplam Deus em sua glória, e vão, sem jamais cansar, de astro em
astro, de sistema em sistema, levar os apelos divinos.
Todas essas estrelas parecem sorrir, qual se fossem
amigas esquecidas.
Seus mistérios nos atraem.
Sentimos que são a herança
que Deus nos reserva.
Mais tarde, nos séculos futuros, conheceremos
essas maravilhas que nosso pensamento apenas toca.
Percorreremos esse
infinito que a palavra não pode descrever em uma linguagem limitada.
Há, sem dúvida, nessa ascensão, degraus que não podemos contar, tão
numerosos são, mas nossos guias nos ajudarão a subi-los, ensinando-nos a
soletrar as letras de ouro e de fogo, a divina linguagem da luz e
do amor.
Então o tempo não terá mais medida para nós.
As distâncias não
mais existirão.
Não pensaremos mais nos caminhos obscuros, tortuosos,
escarpados, que seguimos no passado, e aspiraremos às alegrias
serenas dos seres que nos tiverem precedido e que traçam, por meio de
jorros de luz, nosso caminho sem-fim.
Os mundos em que houvermos
vivido terão passado; não serão mais que poeira e detritos; mas
nós guardaremos a deliciosa impressão das venturas colhidas em suas
superfícies, das efusões do coração que começaram a unir-nos a outras
almas irmãs.
Conservaremos a muito cara e dolorosa lembrança dos
males partilhados e não seremos mais separados daqueles que
tivermos amado, porque os laços são entre as almas os mesmos que entre
as estrelas.
Através dos séculos e dos lugares celestes, subiremos
juntos para Deus, o grande Foco de Amor que atrai todas as criaturas!
Transcrito do Livro:-
- O grande Enigma
16. ed. 1. imp.
Brasília, FEB
Editora, 2014.
Léon Denis
Revista Reformador
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