quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Os sapatos do médium Divaldo Franco



Os sapatos do médium Divaldo Franco

No Livro:- "O Semeador de Estrelas"  o médium, Divaldo P. Franco relata um fato profundamente marcante em sua existência.

" Quando eu era muito jovem, esteve em moda, na Bahia, um tipo de sapato marrom e branco. 

Era horrível, mas eu achava uma beleza. 

Era de borracha, com uns dois dedos de espessura. 

Ao vê-lo me apaixonei e comprei um par, a prestação.  

Eu estava com dezoito anos nessa época.

Arrependi-me da compra no terceiro dia... no primeiro calcei-o e saí, mas ele pesava tanto que me deu cãibras.

Entrei num ônibus, o primeiro que passou. 

Era um veículo que servia ao subúrbio; as pessoas entravam com galinhas, gaiolas, com tudo, adentravam-se e iam socando quem já estava, empurrando para o fundo. 

Eu também fui empurrado, porém, tentando defender o sapato novo... 

Nisso veio um homem enorme, chegou junto a mim e pisou no meu pé. 

Uns cem quilos! 

Eu não sentia tanto a dor no pé, mas o fato dele estar estragando o meu sapato novo. 

Se ele fosse, mais baixo do que eu, acho que lhe teria dado um empurrão, porque a valentia da gente é sempre contra o mais fraco... 

Mas, quando olhei ele era enorme. 

Aí, fui muito delicado...
- O senhor quer tirar o seu pé de cima do meu?
 
- Ah! granfino, não é? 

Por que não pegou um carro?

E pisou com mais força. 

Eu não podia reclamar, o jeito era sair dali.

Quando ônibus parou eu o empurrei e desci. 

Fora, olhei o sapato, estava todo rasgado. 

Confesso que chorei de raiva, de mágoa, de dor, pois ainda teria que o pagar...
 
Eu era médium, mas ainda não era espírita. 

Já atendia aos pobres e sofredores, exercia a mediunidade.

Daí a dias, quando estava atendendo a fila, em nosso Centro Espírita, vi o tal homem ali postado.

Pensei:-
- Ele me descobriu e vem dar-me uma surra.

Baixei a cabeça e, quando ele chegou perto, eu o fui olhando devagar. 

Ele perguntou-me:-
- O senhor é o seu Divaldo?

- Sim, senhor - respondi contrafeito.

- Seu Divaldo, eu vim aqui pedir uma caridade. 

Estou com um problema muito sério:-
- A minha esposa está louca. 

Eu tenho quatro filhinhos. 

O senhor imagine que eu trabalho nas docas. 

Estou a ponto de matar-me, porque, pela manhã tenho que amarrar a minha esposa no quarto, tranco meus filhos noutro e saio para trabalhar.

À noite, quando chego,  tenho que dar-lhe banho, dar comida aos meus filhos e tenho que cozinhar para o dia seguinte. 

Já não aguento mais! 

Internei-a num hospício e tirei-a. 

Levei-a no candomblé e me disseram que ela "tem" um Espírito. 

Eu ando provocando todo mundo, para ver se alguém me mata ou se eu mato, porque assim eu não suporto mais. 

Disseram-me que o senhor é médium:-
- O senhor poderia fazer qualquer coisa para ajudar? 

- Se o senhor tiver paciência de me esperar, quando acabar aqui irei lá com Nilson, para dar-lhe um passe e observá-la.

Ele se dispôs a esperar. 

A fila sempre acabava pela madrugada. 

Assim fizemos. 

Fomos com ele à sua residência.

Ao chegarmos, ouvímos ela urrando, berrando.

- Ninguém dorme, explicou. 

A vizinhança já deu queixa na polícia.

Fomos entrando, acompanhando-o. 

Ele abriu a porta do quarto e eu entrei. 

Ela estava toda amarrada com cordas e despida.

- Ponha um cobertor sobre ela - pedi-lhe. 

E desamarre-a.

- Mas, seu Divaldo, ela bate em mim, que sou deste tamanho, quanto mais no senhor...
 
- Não faz mal; se ela bater, louvado seja Deus!

Ele desamarrou-a e eu me aproximei.

- Meu irmão, por que você faz isto? 
(Eu via o Espírito e ele assustou-se).

- Por que você me chama de irmão?

- Porque você é meu irmão, só que um irmão que já morreu. 

- Você não pertence mais à Terra. 

Você morreu e está do outro lado da vida. 

Por que fazer isto com ela?

E comecei a doutriná-lo. 

Eu acho que o Espírito gostou de mim, porque se acalmou e sentou-a no chão.

- Eu tenho raiva desta mulher, eu odeio este homem. 

Eu sou fulano de tal. 

Ele me prejudicou nas docas, tomou o meu lugar. 

Você se lembra de mim? - perguntou dirigindo-se ao marido dela.

- Lembro-me, sim.

E começou uma discussão entre os dois.

- O senhor fique calado, por favor - pedi. 

Deixe que eu lhe fale.
 
Joana de Ângelis incorporou-me e conversou com o Espírito. 

Quando eu voltei ao normal a mulher estava calma, vestidinha.

Retornei lá outras vezes, uma semana. 

Ela ficou boa. 

O marido se tomou de gratidão e amizade por mim, tornando-se quase um guarda-costas. 

Aonde eu ia pela madrugada, ele ia também, acompanhando-me.

Meses depois, um dia, eu lhe perguntei:-
- Fulano, você não se recorda de mim?

- Não, senhor, seu Divaldo. 

(Ele tinha quarenta e oito anos e me chamava de senhor, a mim, que tinha dezoito).

- Você não se recorda de um sujeitinho antipático, que entrou no ônibus de sapato marrom e branco?
 
- Não, senhor.

- Você se lembra da pessoa que você pisou no pé? 

- Você nunca me viu?
 
- Não, nunca!

Então eu contei-lhe o caso e ele me respondeu:-
- Ah! seu Divaldo! 

Naquele tempo eu andava louco; provocava as pessoas para ver se alguém em matava ou se eu o matava, porque assim eu iria para a cadeia e ficava livre deste mundo horroroso...

Então, aquele homem rude aparentemente, era apenas um homem muito sofrido. 

Ele tinha um problema tão grande, que se tornara agressivo, a fim de ver-se livre da aflição.

Isso me ensinou a nunca revidar. 

Eu não sou uma pessoa boa, mas não revido.
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Interessante enfoque sobre as causas da agressividade humana.

A violenta reação das pessoas é, muitas vezes, o resultado da violência da vida, de problemas que aturdem o ser humano.

Um homem sofrido, uma mulher louca. 

Obsidiada.
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Fonte: Livro "O Semeador de Estrelas"
Autor(a): Suely Caldas Schubert  
Livraria Espírita Alvorada -Editora.



 

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