Os sapatos do médium Divaldo Franco
No Livro:- "O Semeador de Estrelas" o médium, Divaldo P. Franco relata um fato profundamente marcante em sua existência.
" Quando eu era muito jovem, esteve em moda, na Bahia, um
tipo de sapato marrom e branco.
Era horrível, mas eu achava uma beleza.
Era de borracha, com uns dois dedos de espessura.
Ao vê-lo me apaixonei
e comprei um par, a prestação.
Eu estava com dezoito anos nessa época.
Arrependi-me da compra no terceiro dia... no primeiro calcei-o e saí, mas ele pesava tanto que me deu cãibras.
Entrei num ônibus, o primeiro que passou.
Era um veículo
que servia ao subúrbio; as pessoas entravam com galinhas, gaiolas, com
tudo, adentravam-se e iam socando quem já estava, empurrando para o
fundo.
Eu também fui empurrado, porém, tentando defender o sapato
novo...
Nisso veio um homem enorme, chegou junto a mim e pisou no meu
pé.
Uns cem quilos!
Eu não sentia tanto a dor no pé, mas o fato dele
estar estragando o meu sapato novo.
Se ele fosse, mais baixo do que eu,
acho que lhe teria dado um empurrão, porque a valentia da gente é sempre
contra o mais fraco...
Mas, quando olhei ele era enorme.
Aí, fui muito
delicado...
- O senhor quer tirar o seu pé de cima do meu?
- Ah! granfino, não é?
Por que não pegou um carro?
E pisou com mais força.
Eu não podia reclamar, o jeito era sair dali.
Quando ônibus parou eu o empurrei e desci.
Fora, olhei o
sapato, estava todo rasgado.
Confesso que chorei de raiva, de mágoa, de
dor, pois ainda teria que o pagar...
Eu era médium, mas ainda não era espírita.
Já atendia aos pobres e sofredores, exercia a mediunidade.
Daí a dias, quando estava atendendo a fila, em nosso Centro Espírita, vi o tal homem ali postado.
Pensei:-
- Ele me descobriu e vem dar-me uma surra.
Baixei a cabeça e, quando ele chegou perto, eu o fui olhando devagar.
Ele perguntou-me:-
- O senhor é o seu Divaldo?
- Sim, senhor - respondi contrafeito.
- Seu Divaldo, eu vim aqui pedir uma caridade.
Estou com
um problema muito sério:-
- A minha esposa está louca.
Eu tenho quatro
filhinhos.
O senhor imagine que eu trabalho nas docas.
Estou a ponto de
matar-me, porque, pela manhã tenho que amarrar a minha esposa no quarto,
tranco meus filhos noutro e saio para trabalhar.
À noite, quando chego,
tenho que dar-lhe banho, dar comida aos meus filhos e tenho que
cozinhar para o dia seguinte.
Já não aguento mais!
Internei-a num
hospício e tirei-a.
Levei-a no candomblé e me disseram que ela "tem" um
Espírito.
Eu ando provocando todo mundo, para ver se alguém me mata ou
se eu mato, porque assim eu não suporto mais.
Disseram-me que o senhor é
médium:-
- O senhor poderia fazer qualquer coisa para ajudar?
- Se o senhor tiver paciência de me esperar, quando acabar aqui irei lá com Nilson, para dar-lhe um passe e observá-la.
Ele se dispôs a esperar.
A fila sempre acabava pela madrugada.
Assim fizemos.
Fomos com ele à sua residência.
Ao chegarmos, ouvímos ela urrando, berrando.
- Ninguém dorme, explicou.
A vizinhança já deu queixa na polícia.
Fomos entrando, acompanhando-o.
Ele abriu a porta do quarto e eu entrei.
Ela estava toda amarrada com cordas e despida.
- Ponha um cobertor sobre ela - pedi-lhe.
E desamarre-a.
- Mas, seu Divaldo, ela bate em mim, que sou deste tamanho, quanto mais no senhor...
- Não faz mal; se ela bater, louvado seja Deus!
Ele desamarrou-a e eu me aproximei.
- Meu irmão, por que você faz isto?
(Eu via o Espírito e ele assustou-se).
- Por que você me chama de irmão?
- Porque você é meu irmão, só que um irmão que já morreu.
- Você não pertence mais à Terra.
Você morreu e está do outro lado da
vida.
Por que fazer isto com ela?
E comecei a doutriná-lo.
Eu acho que o Espírito gostou de mim, porque se acalmou e sentou-a no chão.
- Eu tenho raiva desta mulher, eu odeio este homem.
Eu
sou fulano de tal.
Ele me prejudicou nas docas, tomou o meu lugar.
Você
se lembra de mim? - perguntou dirigindo-se ao marido dela.
- Lembro-me, sim.
E começou uma discussão entre os dois.
- O senhor fique calado, por favor - pedi.
Deixe que eu lhe fale.
Joana de Ângelis incorporou-me e conversou com o Espírito.
Quando eu voltei ao normal a mulher estava calma, vestidinha.
Retornei lá outras vezes, uma semana.
Ela ficou boa.
O
marido se tomou de gratidão e amizade por mim, tornando-se quase um
guarda-costas.
Aonde eu ia pela madrugada, ele ia também,
acompanhando-me.
Meses depois, um dia, eu lhe perguntei:-
- Fulano, você não se recorda de mim?
- Não, senhor, seu Divaldo.
(Ele tinha quarenta e oito anos e me chamava de senhor, a mim, que tinha dezoito).
- Você não se recorda de um sujeitinho antipático, que entrou no ônibus de sapato marrom e branco?
- Não, senhor.
- Você se lembra da pessoa que você pisou no pé?
- Você nunca me viu?
- Não, nunca!
Então eu contei-lhe o caso e ele me respondeu:-
- Ah! seu Divaldo!
Naquele tempo eu andava louco;
provocava as pessoas para ver se alguém em matava ou se eu o matava,
porque assim eu iria para a cadeia e ficava livre deste mundo
horroroso...
Então, aquele homem rude aparentemente, era apenas um
homem muito sofrido.
Ele tinha um problema tão grande, que se tornara
agressivo, a fim de ver-se livre da aflição.
Isso me ensinou a nunca revidar.
Eu não sou uma pessoa boa, mas não revido.
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Interessante enfoque sobre as causas da agressividade humana.
A violenta reação das pessoas é, muitas vezes, o resultado da violência
da vida, de problemas que aturdem o ser humano.
Um homem sofrido, uma mulher louca.
Obsidiada.
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Fonte: Livro "O Semeador de Estrelas"
Autor(a): Suely Caldas Schubert
Livraria Espírita Alvorada -Editora.
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