segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A Carta do Chefe Seattle




Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. 

Faz já 147 anos. 

Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade.
A carta:- 
- “Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? 

A ideia não tem sentido para nós.

“Se não possuímos o frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer comprá-los?

“Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. 

Qualquer folha de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques sombrios, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é sagrado na memória e na experiência de meu povo. 

A seiva que percorre o interior das árvores leva em si as memórias do homem vermelho.

“Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento quando vão pervagar entre as estrelas. 

Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois ela é a mãe do homem vermelho. 

Somos parte da terra e ela é parte de nós. 

As flores perfumosas são nossas irmãs; os gamos, os cavalos, a majestosa águia, todos são nossos irmãos. 

Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e o Homem, tudo pertence a uma só família.

“Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossas terras, ele está pedindo muito de nós. 

O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. 

Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. 

Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre a compra de nossa terra. 

Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para nós.

“A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. 

Se vos vendermos a terra, tereis de vos lembrar que ela é sagrada, e deveis lembrar a vossos filhos que ela é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e fases da vida de meu povo. 

O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais. 

Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. 

Levam as nossas canoas e alimentam nossas crianças. 

Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e ensinar a vossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a um irmão.

“Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. 

Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. 

A terra não é sua irmã, mas sua inimiga; depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro lugar. 

Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. 

Sequestra os filhos da terra e não se importa. 

A cova de seus pais e a herança de seus filhos, ele as esquece. 

Trata a sua mãe, a terra, e a seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. 

Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos.

“Isso eu não compreendo. 

Nosso modo de ser é completamente diferente do vosso. 

A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho. 

Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal nada possa compreender.

“Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja Silêncio, Paz. 

Um só lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto. 

Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender.

“O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. 

E que vida é essa onde o homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos charcos à noite? 

O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada pelo perfume das pinhas.

“O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. 

Os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. 

O homem branco parece não se importar com o ar que respira. 

Como um cadáver em decomposição, ele é insensível ao mau cheiro. 

Mas, se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. 

O ar que nossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último suspiro.

“Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores dos bosques.

“Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. 

Se nos decidirmos a aceitá-la, imporei uma condição:-
- O homem branco terá de tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

“Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. 

Tenho visto milhares de búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um trem em movimento. 

Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos manter vivos.

“Que será do homem sem os animais? 

Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de solidão espiritual. 

Porque tudo que aconteça aos animais pode afetar os homens. 

Tudo está relacionado.

“Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza as cinzas de nossos ancestrais. 

Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida dos seres de todas as espécies. 

Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos:-
- Que a Terra é a nossa mãe. 

Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo.

“De uma coisa temos certeza:-
- A terra não pertence ao homem branco; o homem branco é que pertence à terra. 
- Disso temos certeza. 

Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. 

Tudo está associado.

“O que fere a terra fere também os filhos da terra. 

O homem não tece a teia da vida; é antes um de seus fios. 

O que quer que faça a essa teia, faz a si próprio.

“Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha, e com quem conversa como amigo, não pode fugir a esse destino comum. 

Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. 

Nós o veremos. 

De uma coisa sabemos — e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia:-
- Nosso Deus é o mesmo Deus. 

Podeis pensar hoje que somente vós O possuís, como desejais possuir a terra, mas não podeis. 

Ele é o Deus do homem e Sua compaixão é igual tanto para o homem branco quanto para o homem vermelho. 

Esta terra é querida Dele, e ofender a terra é insultar o seu Criador. 

Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. 

Contaminai a vossa cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos.

“Mas no vosso parecer, brilhareis alto, iluminados pela força do Deus que vos trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o homem vermelho. 

Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueadas por fios falantes. 

Onde está o matagal? 

Desapareceu. 

Onde está a águia? 

Desapareceu. 

O fim do viver e o início do sobreviver.”


 

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