Era noite.
Nas ruas havia luzes por todos os lados.
Estavam enfeitadas por ocasião do natal.
Caminhei um dia inteiro pelas grandes ruas da maior cidade do país e a quarta maior de todo o mundo.
Conheci mercados, lojas, museus, avenidas, vi a vida passando rápido
nos passos de quem caminhava, quase correndo, para encontrar o tempo
perdido e o tempo corria para encontrar o seu fim e as pessoas desejando
que ele pudesse durar mais do que realmente ele dura.
Meu olhar passeava calmo por essas pessoas, que sem descanso corriam
atrás do pouco tempo que têm aqui nessa terra.
Elas não percebem que na
realidade não possuem o tempo necessário para observar sua vida correndo
por esse mesmo relógio que sempre marca mais e nunca menos, o relógio
da vida.
Vão em busca de coisas efêmeras…
Depois de caminhar esse dia inteiro, encontrei um banco de madeira
que a meus olhos pareceu o lugar mais confortável do mundo!
Naquele
exato momento, tive tempo então para sentar, olhar as fotos do divertido
dia e observar mais um pouco.
Eu estava em São Paulo, mais precisamente na Rua Oscar Freire, no metro quadrado mais caro do país.
Foi quando o vi, tinha mais ou menos 1,5 metro, cabelo rente com a
cabeça, pele morena, mãos gordinhas, olhar vago e triste e os pés…
Esse
era Kaique que tinha aproximadamente uns 11 anos, olhava as lojas do
outro lado da rua, acompanhado de sua caixa na qual estava escrito: -
- “Trampo” honesto.
E como era desonesto para Kaique aquele trampo que
abocanhava sua infância.
Atravessou a rua, foi quando encontrou um daqueles homens que correm
contra o tempo e que o tempo corre ainda contra ele.
O homem, vendo
minha câmera, se apressou em correr à loja e trocou várias moedas para
entregá-las ao pequeno Kaique e, assim, amenizar sua consciência e
redimir o tempo que não tem para observar os que nada têm; é difícil
enxergar profundamente nesses tempos corridos…
Não fotografei mais; a cena era de uma indelicadeza pesada para que
eu perpetuasse aquela visão pela eternidade… uma eternidade é muito
tempo…
Foi então que eu pude conhecer finalmente o Kaique.
Era engraxate,
com suas pequenas mãos gordinhas tentava de alguma forma ajudar aos
demais irmãos menores a manter-se vivos numa vida bem sofrida.
Todos os
irmãos tinham nomes que começavam com K, me contou de seus dias na rua,
mas não sabia que aquela rua em que estava era uma das ruas mais caras
do mundo; só sabia mesmo explicar o que era preconceito:-
– Na rua eu sofro muito preconceito…
– E o que é preconceito Kaique?
– Preconceito é quando as pessoas olham para mim e fingem não me ver.
Não tive mais palavras, ele sabia bem do que estava falando.
Foi quando então, depois de um dia inteirinho à procura, finalmente
encontrei meu presente de natal!
Pedi ao Kaique se poderia tirar uma
foto e ele consentiu.
Um amigo, perguntou então o que ele queria naquele dia e ele pediu apenas o que precisava:-
– Quero uma sandália nova!
Encontrei meu presente nos pés de um menino cansado de preconceito,
um presente que dinheiro nenhum poderia me dar, encontrei Jesus
novamente ali, naquela fala e no sorriso de uma criança que ganhou
apenas o que precisava, nada mais e nada menos.
Encontrei um presente que não há dinheiro que compre, aprendi que tenho mais do que preciso e que só preciso exatamente daquilo que tenho, de nada além, de nada mais.
Aprendi que tenho muito a fazer, protestar por um mundo mais justo,
pela construção de um Reino que é “agora, mas ainda não”, um Reino
construído em cima de pilares de igualdade, fé, esperança e amor.
Esse foi o melhor presente de natal que eu ganhei em minha vida:-
- Aprender que tenho mais, muito mais do que eu poderia desejar.
Naquele dia, mais uma vez foi Natal então.
Jesus nasceu em meu
coração e renasceu em mim a esperança de ver Kaiques fora das ruas, com
pés limpos e corações cheios de sonhos!
Texto e foto por Amanda Oliveira
* * *
A autora, Amanda Oliveira, é amiga de um amigo meu, Artur Gueiros, e a
história narrada acima é verídica e mostra o Natal de Cristo sem a
fumaça do comércio e da televisão.
Que possa inspirar os corações de vocês como inspirou o meu.
Abraços fraternos.
Feliz Natal!
Cirilo Veloso Moraes